Gabriel García Márquez já se referiu a "O Outono do Patriarca" como um poema sobre a solidão do poder.
Primeiro romance depois de "Cem Anos de Solidão" (1967), esta obra, publicada em 1975, representa uma alegoria do autoritarismo na América Latina. Através dos delírios de um ditador quimérico, lendário, arqueológico, o autor erigiu outra de suas catedrais literárias. Há mais de um século no comando, o patriarca de García Márquez faz o tempo avançar e retroceder em monólogos que comportam diálogos, construídos com imagens que evocam a loucura e o lirismo, descentrando a história, a geografia, a linguagem.
Assim "O Outono do Patriarca" traz a saga de um ditador com idade indefinida entre 107 e 232 anos, vagando num universo onde tudo conduz à lembrança do tempo acumulado. No palácio presidencial, onde pastam vacas, o patriarca é um solitário entre concubinas, perseguido por um apetite sexual senil, ouvindo harpas ao vento e a subida das marés, atrasando relógios e maquinando em um cenário em que galinhas errantes bicam móveis e cadáveres, a solidão precipita o terror e desfralda a superstição em um imenso bazar da mitologia sobre o poder no continente.
Ler esse livro é continuar, continuar, notar as leves mudanças da narrativa, de quem está falando, do passado e do presente e escutar os absurdos da maneira mais natural possível. Um dos livros q mais me surpreendeu nas primeiras páginas e não me decepcionou.
O curioso é que parece que o próprio texto guarda em si uma certa ascendência ditatorial sobre o leitor. É ele que conduz. É ele que decide o ritmo e a duração dos trechos da longa viagem. Atracar num ponto final que te permita respirar nem sempre é possível, não restando outra opção senão ser levado pela correnteza.
É um livro exigente, quem o decifra fica com o gosto de ter participado de uma intensa aventura literária.
_meu livro do momento//
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