Na era da fotografia digital surge um movimento que se opõe à lógica de produção técnica dos dias atuais e absorve os aspectos positivos da contemporaneidade cibernética: a lomografia que, com equipamentos baratos e técnicas fotográficas primitivas, promove a disseminação da experimentação fotográfica artística e aproxima arte e vida. Assim, fazendo uso de aspectos procurados pela arte contemporânea como o hibridismo, a democracia, a apropriação e a larga disseminação de ideias, a lomografia consegue fundir fotografia e experimentação em escala mundial.
Lomografia, fotografia, experimentação.
Imersa em um mundo tecnófilo, a fotografia, desde os anos 90, procura seus caminhos de adaptação à digitalização dos meios. Desde então, fotógrafos, tanto os que atuam nas artes quanto os que atuam nas comunicações, buscam maneiras de manter a fotografia como meio de expressão ativo, mediante a atualização com o mínimo de perdas qualitativas e o máximo de otimização da produção.
No âmbito das artes visuais, a tentativa de inclusão da vida cotidiana nos projetos de criação artística contemporâneos e o anseio de fundir arte e vida explicitam o caráter híbrido das abordagens pós-modernas, favorecendo o diálogo entre épocas e estilos diferentes. Gilles Deleuze,1 em A imagem-tempo, afirma que no pós-moderno tudo pode ser verdadeiro sem ser, necessariamente, verdadeiro, multiplicando as possibilidades de criação. É a coexistência de temporalidades.
Nesse contexto, a noção de rede emerge com força estrondosa e se faz recorrente no pós-moderno. As novas tecnologias de produção e comunicação de conteúdo contribuem para que arte e mídia se aproximem, unindo, dessa maneira, suas lógicas de funcionamento. A convergência de culturas em um só ambiente faz com que novos valores e novas dinâmicas passem a integrar o cotidiano de todos.
É assim que, consequentemente, redundância e saturação também se fazem presentes como aspectos intrínsecos ao mundo contemporâneo. Com a rapidez da transformação que rege tudo o que está imerso na rede, incluindo a arte, é preciso que os sujeitos que a colocam em funcionamento também obedeçam a suas regras. Assim, produção e transmissão são constantes, o que provoca o transbordamento de conteúdo e sua repetição.
Mais do que mesclar arte e vida, tentativa recorrente na história da arte, o pós-moderno trata de reinserir a arte no pensamento de seu tempo. Clement Greenberg2 pensava numa linha evolutiva em que o Modernismo seria o final, ou seja, a etapa mais evoluída da arte, e pregava a pureza, a prevalência e a valorização da forma sobre o conteúdo. O novo padrão é a ausência de padrão.
O conceito de construção da realidade também é marca do período em questão. Isso porque é a comunicação que fornece à sociedade o elo para seu funcionamento. É então que o uso da linguagem e seu exercício se tornam dominantes. Só por intermédio da linguagem estruturam-se percepções e visões de mundo no período pós-moderno. Inserida nesse contexto, a arte denominada contemporânea funciona no mesmo esquema. A apreensão da realidade obtida apenas pelos sentidos aos poucos se apaga em favor de construção da realidade em grau secundário, em que verdade ou falsidade já não são mais questões relevantes. Por isso é possível dizer que a arte contemporânea é o que diz ser, é a sua imagem.
Assim sendo, conclui-se que a posição do receptor na arte contemporânea passa a ter extrema importância. Se o que se diz da obra, ou seja, sua imagem, é aquilo que é a própria obra, então a forma como se vê a obra passa a ser tão importante quanto sua forma originária. Dessa maneira, a participação ativa do receptor passa a integrar a própria obra, o que foi favorecido pelos meios digitais, que possibilitam interatividade e trocas mais imediatas, assim como coprodução mais simplificada.
O advento do digital, junto com a evolução tecnológica e o barateamento dos meios a partir da década de 1980, foi fundamental para que o papel do receptor na obra de arte fosse elevado e mesclado ao do autor. A facilidade com que se produz, coproduz, distribui, transmite e comunica impõe ao mundo nova dinâmica de funcionamento.
Na fotografia, a mudança foi radical. A questão da produção é colocada em xeque já que o equipamento, simples e barato, é acessível e de fácil manuseio. Assim, a figura do fotógrafo existe em qualquer parte, independente de qualquer formação técnica ou teórica. Os programas de tratamento de imagens também problematizam a função do autor. Embora sempre tenha existido a manipulação de fotografias, com o desenvolvimento de softwares de fácil aquisição e manuseio, a figura do fotógrafo criativo, do fotógrafo-artista, do fotógrafo como ser criador de imagens poéticas perde um pouco de seu valor. Ainda, dentro da rede, a distinção entre original e cópia deixa de existir e, assim, não há mais qualquer diferença entre os dois quando tratamos de imagens digitais.
Mesmo com a criação do arquivo RAW, conhecido como o negativo digital, mais fiel àquilo que foi fotografado e dotado de mais informações de detalhe, a problemática que se estabelece entre original e cópia ou, melhor, entre a inexistência de original ou cópia, permanece. Ainda que seja um arquivo bruto, não deixa de ser um arquivo binário programado, que pode ser reprogramado, modificado e copiado tantas vezes quantas forem desejadas.
Outra consequência da digitalização do processo fotográfico é a perda da conexão com a realidade física que a fotografia sempre se particularizou por ter. Os arquivos binários são simulações daquilo que aconteceria se o processo fosse analógico e químico. Portanto, a conexão passa a ser apenas programada e institucionalizada.
_texto de :
Tatiana Xerez
_do site : http://www.concinnitas.uerj.br/
(revista do instituto de artes da uerj)
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